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Trapaça (David O. Russell, 2013)


GUILHERME W. MACHADO

O novo filme de David O. Russell – diretor que, para o desagrado de muitos, vem se consolidando como um dos nomes mais recorrentes do cinema americano – chega nos cinemas brasileiros com a expectativa lá em cima: vencedor de Melhor Filme Comédia, Melhor Atriz de Comédia e Melhor Atriz Coadjuvante no Globo de Ouro; vencedor na categoria de Melhor Elenco no SAG; e uma liderança de 10 indicações no Oscar, empatado com Gravidade. A mesma carência que o filme tem de falhas marcantes ele o tem de qualidades notórias. Sim, o novo trabalho de O. Russell não tem nada forte o suficiente para arrastá-lo para baixo, mas nada bom o suficiente para elevá-lo tanto assim.



A começar pelo roteiro: uma decepção. O foco é exclusivo nos personagens e a trama é deixada totalmente de lado, optando por soluções fáceis e pouco eficientes. Difícil de engolir. Mesmo os personagens não foram tão magistralmente construídos a ponto de sustentar uma história tão rasa. É uma pena, pois era um plot de verdadeiro potencial – ainda que nada original, mas isso não é um problema – e que foi usado de forma superficial para criar situações extremas para seus protagonistas. Nenhuma das viradas na trama surpreendem ou causam qualquer efeito sobre o espectador. O que salva sãos os detalhes, o subtexto que, ainda que pouco explorado, levanta questões interessantes, como a força da imagem numa sociedade regida pela aparência, e faz um retrato moderadamente bom das famílias modernas (temática chave da carreira do diretor, aparentemente).
A direção, por sua vez, passa longe de ser ruim; ela é, todavia, uma tentativa não muito bem sucedida de imitação do estilo de Martin Scorsese. Isso não seria um problema, se fosse bem feito. O. Russell falha em captar a simplicidade brutal, e ao mesmo tempo estilosa, de Martin e acaba numa direção enfeitada, mas pouco encantadora. O maior problema foi ser muito pomposo quando deveria ser envolvente, acaba parecendo vazio. Seus ângulos e movimentos de câmera não chegaram a ser ruins, apenas faltou profundidade. Salva-se, em parte, pela qualidade da montagem aliada a brilhante trilha sonora, que corrobora para a criação dos melhores momentos – no quesito estilo – do filme.

Os atores, de quem se esperava muito, não chegam a ser arrebatadores; entretanto, carregam o filme. Os homens deixaram bastante a desejar, principalmente Bradley Cooper, que não superou seu papel em O Lado Bom da Vida (filme no qual atua muito bem) e nem o reproduz tão bem quanto anteriormente. Suas cenas foram forçadas e ele não cativa. Christian Bale engordou bastante e se esforça, mas foi muito mal aproveitado, acabando num personagem raso e com a maior deficiência que um trapaceiro pode ter: falta de carisma. Jeremy Renner se sai bem, mas nada fora de série, no caso de indicação ele era mais merecedor que Cooper. As mulheres, por sua vez, roubam a cena. Amy Adams faz uma espécie de “femme fatale” extremamente sedutora e envolvente, mas que não encontra problemas – ao contrário, se revela – nas cenas dramáticas. Jennifer Lawrence novamente rouba a cena e é o centro das atenções, ainda que Adams tenha sido a melhor atuação do filme, a jovem atriz faz um papel que lembra o estilo do seu anterior em O Lado Bom da Vida, só que não se prende e evolui nas cenas mais intensas, sendo suas as expressões mais fortes e envolventes em todo filme. Isso fora seu carisma e presença de cena excepcionais, Oscar obrigatório, ainda que nem um pouco garantido.


No fim das contas o filme se sustenta com seus méritos que equilibram com suas fraquezas. Passa longe de ser um dos grandes filmes do ano, mas deve ficar entre os destaques. Pode servir como aprendizado para O. Russell reavaliar sua posição como cineasta e deixar de depender demais de seus atores, ou pode fazê-lo tornar-se mais radical ainda e esquecer que o papel do diretor, mais do que orientar atores, é dar fluência e substância – seja estilo ou força dramática – para o filme, coisa que anda deixando em segundo plano.



NOTA (2.5/5.0)

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