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A Visita (M. Night Shyamalan, 2015)

GUILHERME W. MACHADO

Deve ser complicado, artisticamente falando, para alguns diretores ter sua personalidade tão em evidência. Chega um ponto em que seus filmes são julgados – pelo menos no nível popular, mas muitas vezes pela própria crítica – pela sua persona pública. Woody Allen sofre disso mais do que qualquer outro, Clint Eastwood experimentou a sensação com Sniper Americano [2014], Lars Von Trier busca se beneficiar disso e acaba transformando-se num bobo da corte, e M. Night Shyamalan sofre por dois extremos: o daqueles que têm alta expectativa de ver outro Sexto Sentido [1999] – filme endeusado desproporcionalmente –, ou o daqueles que acham que o diretor apenas fará filmes como O Último Mestre do Ar [2010]. 

Para os céticos, afirmo desde já: A Visita é um ótimo filme, mesmo, mas – e isso digo para os fanboys – deve ser visto sobre outra ótica daquela de seus filmes mais famosos. Sei que isso parece desculpa de quem tenta ajudar o filme, mas não é essa minha intenção, como buscarei exemplificar ao longo do texto da melhor forma que posso sem spoilers (leia tranquilo)

Difícil não começar falando, uma vez que o próprio filme já começa desta maneira, do estilo pseudodocumental (found footage, como é conhecido esse subgênero). É bem verdade que essa estratégia estética-narrativa já está muito gasta nos filmes de terror – a maioria de qualidade bem duvidosa –, mas Shyamalan entrega-se a ela com tanto fervor, aproveitando magistralmente seu potencial de criar tensão, que fica difícil não dar o braço a torcer aqui. Diferente de muitos filmes, como o fraco Atividade Paranormal [2007], que usam o recurso para mascarar seu próprio amadorismo e tentar revertê-lo a seu favor, Shyamalan não se faz amador em momento algum; cria, no máximo, a ilusão de amadorismo. O trabalho de câmera é, inclusive, cuidadoso e muito ensaiado, com uma interminável gama de planos-sequência (alguns bem desafiadores tecnicamente) e enquadramentos tão arrojados que quase acreditamos que sejam espontâneos.

Para além de seu virtuosismo técnico (no que tange o trabalho de câmera) admirável, Shyamalan encontra ainda, na sua abordagem pseudodocumental, espaço para uma deliciosamente irônica metalinguagem. A figura da menina aspirante a cineasta serve como válvula para que o diretor indiano possa brincar livremente com clichês da linguagem, assim como lhe permite fazer uso sarcástico (pelo próprio fato de estar sendo utilizado por uma menina de 15 anos) do palavreado técnico metido a besta recorrente no meio cinematográfico.
É fácil, entretanto, cair na armadilha de pensar que A Visita é apenas um entretenimento bem filmado, cujo roteiro é uma mera formalidade. Não que seja um filme de profunda reflexão, nem seria racional cobrar o mesmo dele, mas fato é que Shyamalan é marcado por escrever de forma diferenciada dentro do gênero, sempre buscando sair da superfície do mesmo sem prejudicar seu característico potencial de divertimento. A Vila [2004] é o exemplo mais direto do diretor tratando questões mais reflexivas num filme que nunca deixa de ser um ótimo suspense.

O tema da vez aqui é o trauma, e seu efeito nas famílias e nos indivíduos. Não há exceção, TODOS personagens (figurantes excluídos, claro) presentes no filme são afetados e moldados pelos seus traumas, todos relativos à questões familiares. Apesar desses [traumas] estarem profundamente enraizados em seus respectivos personagens, Shyamalan os expõe sutilmente ao longo do seu roteiro, com um nível tão baixo de didatismo que o espectador menos atento não perceberá essa característica do filme. Coisa de quem domina a arte de contar histórias, e, justiça seja feita, o indiano domina como poucos.

Afinal, quantos diretores conseguem manipular os espectadores com tanta facilidade? Quem viu o filme entenderá...

NOTA (4/5)

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