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Corrente do Mal (David Roberts Mitchell, 2014)


GUILHERME W. MACHADO

Apesar deste não ser um ato recorrente por si só, geralmente quando escrevo sobre um filme de terror acabo falando muito sobre minha insatisfação com o cenário atual do gênero. Não pretendo fazer isso desta vez. Corrente do Mal, como todo filme que chega com boa hype, foi alvo de exageros por duas partes dentro da crítica especializada: uma considerou-o uma revolução no gênero, um filme de extrema originalidade; a outra opôs-se justamente à essas afirmações, buscando diminuir o filme ao citar suas influências.

 É engraçada a forma como a história do filme funciona. Basicamente o enredo é sobre uma espécie de maldição passada pelos jovens “já perseguidos” aos seus parceiros sexuais, fazendo com que eles sejam perseguidos por um ser incontrolável até que morram (pelas mãos deste) ou o passem para outra pessoa, através do sexo. Sim, Corrente do Mal leva ao extremo a associação de sexo = morte presente nos filmes de terror desde que Bava fez Banho de Sangue [1971] e inaugurou o slasher. A graça à qual me refiro não está na história em si (que por sinal é bem tensa), mas sim no seu funcionamento paradoxal. Quando lida, parece terrível, quase ridícula, mas quando a vemos contada através de imagem e sons, na narrativa audiovisual, é impossível não levá-la completamente a sério.

Isso só serve para ilustrar, além da notável capacidade do cineasta iniciante David Roberts Mitchell, como há diferença entre as artes e mídias. Corrente do Mal é dotado de um ritmo e de uma imersão narrativa que somente o cinema poderia lhe proporcionar. Essa atmosfera passada pelo conjunto de imagens e sons é o que confere a sensação constante de medo do filme, que não precisa apoiar-se no recurso falho do susto – que não chega a ser ausente no filme, mas nunca é seu ponto focal. E Corrente do Mal é sim bastante assustador, sufocante até, sem jamais ser banal; pelo contrário, há um respeito admirável aqui com o espectador.

A construção dos personagens chama atenção, não pela sua complexidade, mas pela diferença de tratamento dentro do que é comum no gênero. Não nos deparamos aqui com os típicos jovens estúpidos que quase chegam a merecer suas mortes. Há maturidade emocional compatível com o que se espera da situação e, mais importante, há espaço para conexão por parte do espectador com os personagens. Não somos indiferentes aos seus futuros, os compreendemos e torcemos pelos seus sucessos.
Corrente do Mal, como dito, se sobressai como produto audiovisual, aproveitando bem os potenciais oferecidos por essa mídia. As imagens são bem compostas, ainda que com um trabalho de câmera por vezes espalhafatoso (alguns planos alongam-se e o excesso de movimentos cansa), mas que não chega a desqualificar a boa direção, e bem tratadas pela fotografia que cria um visual bastante interessante para a atmosfera do filme. É a trilha sonora, entretanto, que rouba os holofotes pela excelente composição de clima e a forma como acentua a tensão passada.

OBS: Não costumo reclamar sobre traduções de títulos, mas nesse caso específico, o original é BEM melhor.


NOTA (4/5)

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