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Spotlight: Segredos Revelados (Thomas McCarthy, 2015)


GUILHERME W. MACHADO

Há 40 anos atrás, em 1976,  estreava Todos Homens do Presidente, filme que configurou entre os mais aclamados de um ano com Taxi Driver, Rede de Intrigas, Trama Macabra (o último Hitchcock), O Inquilino e Rocky, vencedor do Oscar em 1977. Desde a explosão de Spotlight na temporada de premiação deste ano, muito se fala sobre suas semelhanças com a obra de Alan J. Pakula – uma comparação um tanto empolgada, ainda que válida – mas não tanto assim sobre os méritos do próprio filme.

Spotlight acompanha um grupo de jornalistas investigativos que trabalham numa matéria para expor um escândalo de pedofilia generalizada envolvendo diversos padres católicos em Boston. Nessa investigação eles vão deparando-se com a dependência da própria comunidade em relação à Igreja, e com a sua leniência em acobertar os crimes desta.
Thomas McCarthy entrega um filme de jornalismo (gênero cada vez menos comum atualmente) bastante digno. Apesar de toda simplicidade de sua condução – o que às vezes configura-se num mérito, não creio que seja o caso –, Spotlight é dinâmico e envolve o espectador na investigação, apoiando-se sem ressalvas na boa história que tem para contar. O fator entretenimento, por incrível que pareça, sustenta bem o filme, apesar de suas negligências noutros quesitos.

O maior problema de Spotlight é que ele não é cinematográfico, mas sim muito jornalístico em sua estrutura. E há uma diferença fundamental aqui: enquanto o jornalismo consiste basicamente em trabalhar com fatos (basta que eles sejam acurados), o cinema trabalha com drama, com emoções, com linguagem visual, com uma narrativa que é mais importante do que sua própria veracidade. O cinema, como arte, não acrescenta [quase] nada ao filme de McCarthy; ou melhor, o filme de McCarthy não utiliza os recursos que o cinema lhe oferece. Aqui há a grande diferença em relação ao filme de Alan J. Pakula, no qual o diretor – com o ilustre apoio do grande diretor de fotografia Gordon Willis – enriquece constantemente seu filme com uma linguagem visual que complementa imageticamente o que é apresentado nos diálogos. Os planos de Pakula, com a fotografia tipicamente sombria de Willis, enriquecem de metáforas visuais o roteiro já excelente de William Goldman.
Spotlight ganha, entretanto, pontos com seu elenco – vale lembrar que há algum mérito da direção aqui. Não que o filme seja um show de atuações, inclusive esperava mais desse grupo, mas todas performances são sólidas e não há grande contraste. Por outro lado, não há também nenhuma atuação embasbacante, mas acho que num filme cuja história não tem um protagonista claro, e sim um grupo de personagens de igual importância, vale mais um conjunto sólido de atuações do que um ou outro desempenho excepcional em contraste com alguns trabalhos rasos. Ainda assim, é seguro apontar Mark Ruffalo como principal destaque.

Apesar de despontar como o grande favorito ao Oscar de Melhor Roteiro Original, confesso que tenho minhas ressalvas aqui. A história é muito boa, fato; os diálogos são dinâmicos e bem escritos, fato; as informações apresentam-se de forma bem organizada e compreensível (alguns filmes do gênero sofrem para conseguir isso), fato. Por outro lado, Spotlight é pura progressão de eventos rumo ao seu esperado fim. Quase não há dramatização (conflito), não há pontos de virada significativos, o filme estabelece um objetivo no primeiro ato e apenas evolui, evidência após evidência, até a conclusão da investigação. Os contratempos são muito pequenos, quase irrelevantes, e o que é mais importante: não mudam significativamente o rumo da história (no caso, da investigação). Novamente ressalto a diferença para com o supracitado Todos Homens do Presidente (apenas insisto na comparação por estarem utilizando-a exaustivamente a favor do filme).

De qualquer forma, Spotlight cumpre – até certo ponto – sua proposta e é sim um bom filme. Há boas qualidades em sua realização, principalmente a montagem que faz o básico tão bem que dá alguma vida à direção plano/contraplano de McCarthy. Fica ainda aquela pontinha de decepção de ver uma história com tanto potencial ganhar uma concepção tão conformada em fazer o básico um pouco melhor do que a média do cinema mainstream atual.


NOTA (2.5/5.0)

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