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Lady Bird (Greta Gerwig, 2017)


GUILHERME W. MACHADO

Há uma escolha curiosa em Lady Bird que parece ser a de evitar a qualquer custo momentos de maior intensidade. Tudo bem que se há uma característica evidente desse cinema indie moderninho é a priorização da leveza, o trato suave e delicado mesmo quando se abordam assuntos pesados. O que intriga mesmo é entender o motivo que levou Greta Gerwig a criar esses momentos no roteiro apenas para negá-los depois na direção e montagem.

De fato, Lady Bird é um filme que corre com certa tranquilidade, e não apenas pela sua curta duração de 1h30. A inserção dos momentos cômicos é bem manejada, a carga emocional, mesmo que suavizada, também funciona em alguns pontos estratégicos (principalmente quando cabem a Laurie Metcalf), e sempre que parece que o filme vai rumar para um dos pontos de interesse essenciais desse cinema coming of age (bullying, indecisão profissional, dificuldade no relacionamento com os pais, primeiros relacionamentos amorosos, etc) ele dá uma curva para outro lado. Desse jeito Greta evita, até certo ponto, focar num único lugar comum, e acidentalmente acaba abordando vários.
[SPOILERS nesse parágrafo]
Mas retomando o que faz do filme uma experiência conflitante: ao nos negar momentos importantes justamente nos seus clímax, Greta faz com que, em prol da agilidade, o filme fique truncado. E não são poucas vezes; já no início quando há a discussão no carro e Ronan joga-se porta a fora, quando ela descobre que o namorado é gay, quando tem uma briga escandalosa com sua melhor amiga, quando sua nova amiga aparece na casa que ela fingia ser dela, fora quase todas brigas familiares e ainda outros momentos. Todas essas ações são cortadas com uma pressa incômoda assim que acontecem. Agora, se isso é uma escolha narrativa de Greta (cujo motivo para mim seria uma incógnita, uma vez que ela despejou bastante tempo construindo todos esses conflitos), ou apenas sua inexperiência como diretora iniciante para lidar com essas situações, ninguém vai saber ao certo, e na real nem importa, o que importa é o resultado, e não funcionou.
[FIM dos SPOILERS]

Por outro lado, o trato com o elenco e os personagens foi bom. Saoirse Ronan e Laurie Metcalf estão em alto nível, mas o elenco de apoio não chega a ser decepcionante. As críticas de que o filme apela apenas ao universo feminino, simplesmente pelo foco do filme nesse relacionamento mãe e filha, não me parecem muito bem fundadas. Creio que o apelo do filme é sim diretamente relacionado aos millennials (independente do gênero) e ao público geek (sei que aqui uso o termo de forma generalizada), que hoje nem chega a ser mais um nicho, e sim uma indústria em si mesma, e um público cada vez mais almejado por Hollywood.
No balanço geral, Lady Bird opera com alguma competência nessa fórmula pseudo-Linklater que tomou conta do cinema independente americano. Embora a direção de Gerwig seja simplória – seu método consiste simplesmente em centralizar a ação no quadro, desfocar o plano de fundo sempre que possível, e filmar todos diálogos em plano/contra-plano – e desinteressante, ela não machuca, pois o roteiro é envolvente e não encontra dificuldades em estabelecer uma relação sincera entre os personagens (ponto mais forte do filme). Metcalf é a melhor das 20 atuações indicadas ao Oscar esse ano, e Ronan não fica muito longe.


NOTA (2.5/5.0)

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